Quando
era pequeno não fazia ideia do que era saudade, lembranças e até mesmo
ausência. As minhas brincadeiras, festas, bagunças eram imortalizadas, algumas vezes, nas fotos
em preto em branco. Quando criança, parece que
nossas lembranças são em preto em branco, meio que sem vida, sem dar cor
aos adjetivos, predicados e outros substantivos que compõem aquilo o quadro
pendurado lá porão freudiano. Elas estão
lá esperando para serem redesenhadas e pintadas em aquarelas surrealistas,
concretas ou pós-modernas. As minhas
assim são.
Às vezes o cotidiano me remete a
acontecimentos da minha época de poucas cores e, assim, começo a dar cores
àquela época pouco revisitada, com fatos e sentimentos que não parecem mudar. O
tempo passa. Reencontro na poesia a saudade ou a ausência, ainda não sei
definir ou diferenciá-las, da aurora da minha vida, da minha infância perdida
que não volta mais, mas nunca me deixou.
Lembro-me
do meu primeiro dia de aula. Tinha sete anos, completados no mesmo mês que
começa a minha jornada. Lancheira com
suco de laranja, pão com manteiga, almoço dado, calção de brim, tênis bamba e o
guarda pó com o símbolo da escola Chagas Pereira bordado no bolso com um
tracinho, logo embaixo, avisando: Cuidado! Aluno do primeiro ano.
Assim
fui, caminhando, guarnecido pelas bênçãos de Nossa Senhora Aparecida, pois
morava na avenida em frente à nave central da basílica. A expectativa era
grande. Criado como filho único de pai falecido, mas sem egoísmo e luxo, pois
as batatas eram poucas. Fui sem medo, de mãos agarradas e suadas junto com a
minha mãe, mas pisando firme no chão ainda de terra batida. Acho que era mais
corajoso quando era criança.
Durante
o caminho as mais diversas expressões. Só ouvia da minha mãe para não chorar e
não ter medo. Não entendia ela dizendo aquilo, chorando e tremendo. Não chorei.
Cheguei ao portão. Nunca tinha visto tanta criança, tantas mães e pais, tanta
gente indo para uma casa grande. Meu medo era não voltar para a casa. Pelo que
medo e pelo suor e a dormência das minhas mãos, sabia que ela estaria ali,
sempre.
O
primeiro dia ainda continua vago. Minhas lembranças são de dias de aventuras.
Não conseguia ficar sentado por muito tempo, até hoje sou assim, até hoje trato
este problema, ora recorrendo à natureza, ora à química. Acolhido, fui
aprendendo a lidar com os meus limites, dei trabalho, mas era um bom aluno.
Muito tímido.
Fazíamos
uma fila no pátio. Meninos de um lado e meninas de outro. Acho que isto não
mudou até hoje. Cada série com sua professora. A minha nunca esqueci. As
lembranças dela são as melhores, pois não deu nem saudade da minha mãe. Olhar
de quem gostava da educação. Hoje as cores me permitem entender o porquê
daquele amor e da minha decisão de ser um educador. Terezinha. Terezinha
Mathias. O marido era dono da única casa funerária da cidade. Tinha enterrado
meu pai. E ela começava a dar cores à minha vida.
Minha
sala era antiga. Grande, de assoalho e janelas com cortinas enormes. As cadeiras
e carteiras eram uma peça só, pregadas no chão. O assento parecia com esses bancos de praça, de
madeiras ripadas, estrados de cama. O corredor era longo. Na entrada a
secretaria e a sala da diretora, Dona Ana.
Aprendi
a escrever, fui alfabetizado, brinquei, fiquei de castigo, cantava o Hino
Nacional, fiz bob de cabelo enrolado com
fitas, que serviam de saches, sabonete palmolive com missangas e lantejoulas
para o dia das mães, contrariado fazia os presentes para o dia dos pais, pois
não entendia para quê.
Passei
belos anos. Amei a todos, professores e funcionários. Aprendi a lidar com os
afetos e desafetos dos meus colegas. Ainda tenho bons amigos daquele tempo. Fui
educado com firmeza e carinho por educadores, que na época já tinham algumas
cores.
Li
em um livro, de um poeta local, que a definição de saudade e olhar todos os
dias a mesma fotografia. Não sei ainda definir poeticamente o sentido de
saudade, nem mesmo ausência, pois as duas ainda estão aqui, brincando de
amarelinha entre o céu e o inferno das minhas lembranças passadas e minhas
lembranças presentes.
Lembro-me
da minha primeira escola, de muitos nomes e detalhes. De primárias a novas misturas, minhas
lembranças saem coloridas dos porões e ficam penduradas nas paredes da minha
memória. Não sei por quanto tempo. Talvez desça algumas vezes ou vá ao sótão
resgatá-las, pois lá, mesmo sem cores, vivem.